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domingo, 6 de julho de 2008

Flanelinha, à caráter

Já virou até uma cena rotineira: eu e meu namorado tocando em um bar da cidade, no final da apresentação saímos por último (assim como os garçons) e encontramos os ‘flanelinhas’ aguardando ansiosos pela nossa saída. Tanto já nos acostumamos que quando não os encontramos, chegamos a comentar e a sentir falta de procurar as moedinhas na carteira para pagar pela boa ação dos ‘flanelinhas’ de cuidar nosso carro durante “toda a noite”. Moedinhas, por enquanto. Que eu saiba ainda moro em Santa Cruz do Sul, que é considerada uma cidade do interior, mas com problemas de gente, ops, de cidade grande.

Procurei o termo flanelinha no dicionário – sempre faço isso antes de começar a escrever algo – achei lá a palavra mais próxima “flanela”: tecido de lã, menos encorpado que a baetilha. A tal de baetilha não é do meu tempo, mas o que eu vi na noite da última sexta-feira – dia 04/07/2008 – foi algo bem mais encorpado que um pequeno tecido de lã. Eu já ia logo procurando a moedinha quando nos deparamos com um rapaz, lá pelos seus 17 anos, vestindo um terno – sim, calça e terno combinando. Ah, esqueci de olhar os sapatos! Mas me encantei tanto com o terno do menino e com a reação do meu namorado, que acabei esquecendo do resto.

- Ei, tio, eu cuidei do carro, vai rolar uma gorjeta?
- Mas que roupa é essa? Tu tá mais arrumado do que eu! Quem usa terno não precisa tá pedindo gorjeta na rua. Aliás, vem cá, TU não tem uma gorjeta pra dar pra gente?

Não consegui, juro que tentei, mas não consegui segurar o riso. Meu namorado tirou as palavras da minha boca. Não que os ‘flanelinhas’ não possam estar arrumadinhos, mas de terno? É pra lá de moderno, não!? E um tanto quanto contraditório naquela situação. Imaginei-me de vestido de gala, em uma esquina, pedindo gorjeta. Bom, mas sendo mulher, sabe se lá o que me ofereceriam.

Fora a parte engraçada, fiquei realmente impressionada com o que vi. É, no mínimo, de se surpreender ao ver uma cena assim. Mas depois de digerir a situação, comecei a pensar em como ele tinha conseguido comprar, ou melhor, em como ele conseguiu adquirir, seja comprando ou ganhando, aquela vestimenta. Lembrei-me de um outro episódio com um menino de rua que nem cuidava de carros, só pedia dinheiro mesmo e contava uma história de fazer até o mais insensível dos homens se ajoelhar na frente da criatura e dar tudo que ela pedisse. O tal menino ganhava em torno de 70 reais por noite e depois ia trocar as cédulas mais baixas por notas de maior valor nos bares da cidade.

A rua vira um vício. Esmola vicia. Qualquer tipo. Esmola de dinheiro, esmola de roupa, esmola de comida, esmola de carinho, esmola de amor. Vicia o fato de você se adaptar a depender das pessoas para conseguir fazer algo que você podia fazer por si mesmo. E os meninos de rua estão longe de serem os únicos a se beneficiar desse vício. Dar esmola pode parecer uma boa ação, no entanto, pode significar um descargo de consciência de quem se sente culpado por ter mais que os outros e acha que dando esmola estará solucionando um problema. Só que não percebe que pode estar criando um problema maior ainda. Dar esmola nunca foi a solução para quem precisa muito mais de que uma simples moedinha.